Permita que sua solidão seja bem
aproveitada, que ela não seja inútil. Não a cultive como uma doença, e
sim como uma circunstância
A sua é de que tamanho? Difícil
encontrar alguém que tenha uma solidão pequena, ajustada, do tipo baby
look. Geralmente, a solidão é larga, esgarçada, como uma camiseta que
poderia vestir outros corpos além do nosso. E costuma ser com outros
corpos que se tenta combatê-la, mas combatê-la por quê?
Se
nossa solidão pudesse ser visualizada, ela seria um vasto campo
abandonado, um estádio de futebol numa segunda-feira de manhã. Dói, mas
tem poesia. Talvez seja por aí que devamos reavaliá-la: no
reconhecimento do que há de belo na sua amplitude.
A solidão
não precisa ser aniquilada, ela só precisa de um sentido. Eu não saberia
dizer que outra coisa mais benéfica há para isso do que livros. Uma
biblioteca com mil volumes é um exército que não combate a solidão, mas a
ela se alia.
A solidão costuma ser tratada como algo deslocado
da realidade, como um tumor que invade um órgão vital. Ah, se todos os
tumores pudessem ser curados com amigos. Uma pessoa que não fez amigos
não teve pela sua vida nenhum respeito. Nossa solidão é nossa casa e
necessita abrir horários de visita, hospedar, convidar para o almoço,
cozinhar com afeto, revelar-se uma solidão anfitriã, que gosta de ouvir
as histórias das solidões dos outros, já que todos possuem seus
descampados.
A solidão não precisa se valer apenas do monólogo.
Pode aprender a dialogar e deve exercitar isso também através da arte.
Há sempre uma conversa silenciosa entre o ator no palco e o sujeito no
escuro da platéia, entre o pintor em seu ateliê e o visitante do museu,
entre o escritor e o seu leitor desconhecido. Ah, os livros, de novo. De
todos os que preenchem nossa solidão, são os livros os mais anárquicos,
os mais instigantes. Leia, e seu silêncio ganhará voz.
Às
vezes, tratamos nosso isolamento com certa afetação. Acendemos um
cigarro na penumbra da sala, botamos um disco dilacerante e aguardamos
pelas lágrimas. Já fizemos essa cena num final de domingo - tem dia mais
solitário? É comum que a gente entre na fantasia de que nossa solidão
daria um filme noir, mas sem esquecer que ela continuará conosco amanhã e
depois de amanhã, deixando de ser charmosa e nos acompanhando até o
supermercado. Suporte-a com bom humor ou com mau humor, mas não a
despreze.
Permita que sua solidão seja bem aproveitada, que
ela não seja inútil. Não a cultive como uma doença, e sim como uma
circunstância. Em vez de tentar expulsá-la, habite-a com
espiritualidade, estética, memória, inspiração, percepções. Não será
menos solidão, apenas uma solidão mais povoada. Quem não sabe povoar sua
solidão, também não saberá ficar sozinho em meio a uma multidão,
escreveu Baudelaire.
Ah, os livros, outra vez.
Martha Medeiros